Aclamação real

A Aclamação era uma cerimónia ritual e sacralizada, que ocorria em praça pública e perante os seus súbditos representantes de todos os corpos sociais (clero, nobreza e povo),[1] na qual um herdeiro ao trono assumia o seu reinado, de acordo com a tradição contratualista de uma determinada monarquia soberana.[2] Nesse caso essa entronização poderia ser ou não acrescentada com uma coroação.

Aclamação de D. Pedro I, pintura de Félix-Émile Taunay 1822.

No que toca ao aspecto jurídico, esta cerimónia era o momento em que o soberano assumia publicamente o trono que lhe era de direito por hereditariedade e legitimidade. Ao mesmo tempo, era o espaço em que se prestavam os juramentos: o rei jurava bem reger e governar seus povos de acordo com as tradições e os súditos se comprometiam acolher e respeitar seu novo monarca.[3]

Era costume que a festividade cerimonial, organizada para assistir ao momento do sucessor ser entronizado, depois que este era "levantado, reconhecido",[3] devesse ocorrer três dias depois das devidas exéquias fúnebres que acompanhavam o enterro do anterior reinante,. No entanto, por vezes, a preparação da exigente pompa e circunstância que acompanhava este evento e o mau tempo faziam atrasar a mesma.[4]

A aclamação marcava a chegada de um novo rei de forma jurídica e simbólica, utilizando para isso de um rígido protocolo que delimitava as acções a serem tomadas, as pessoas e objetos que deveriam estar presentes, e as palavras a serem proferidas.[3]

Tudo segue uma progressão e um cálculo bem definidos. O ato solene da aclamação do rei, para adquirir publicidade e, por conseguinte, eficácia e legitimidade, deve realizar-se aos olhos de um corpo de testemunhas que represente a comunidade. Portanto, a publicação deve enraizar-se no espaço comum da cidade, onde se congrega a coletividade: primeiro a Igreja Colegiada durante a liturgia vespertina, depois as “ruas públicas”, em seguida a torre; por fim as praças, as fontes e os templos onde a adesão da população é disputada. Mas para que a publicidade se consume, o público de testemunhas deve antes ser conclamado, o que se faz pelo uso reiterado e ritualístico dos sons e símbolos comunais: as batidas com a muleta no chão da igreja; o brado inflamado do primeiro aclamador; o clamor de sua coorte que, qual microcosmos da comunidade.[5]

Seus Símbolos

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O Rei ocupava um trono, em grande uniforme, de chapéu na cabeça e cetro na mão, estando a coroa colocada numa almofada ao lado dele.[6]

Depois, ajoelhado diante de um missal e de uma cruz, o novo rei jurava proteger os ‘bons costumes, privilégios, graças, mercês e liberdades e franquias … pelos reis passados dados.[4]

A seguir ao Juramento o Rei recebia o ceptro – símbolo da Justiça – das mãos do camareiro-mor e proferia a Fala do Trono. De seguida, seguia-se o beija-mão aos presentes.[7] Terminado o ‘levantamento’ do rei, em que o estrado fazia as vezes do escudo, seguia-se a ‘aclamação’ propriamente dita.[4] Só assim ficava completa a cerimónia. A Bandeira Real, que era transportada e recolhida pelo alferes-mor, era desfraldada na varanda do Palácio Real e o mesmo oficial da corte soltava diante do Povo o pregão conhecido como Brado de Aclamação.[7] Esta consistia na repetição do pregão ‘real, real, real pelo muito alto e muito poderoso senhor El-rei Dom (nome) nosso senhor.’ Os presentes repetiram este brado, consumando assim o acto.[4]

Na constituição monárquica do Reino de Portugal, provinha a especificidade portuguesa da aclamação do rei, que legitimava a preeminência régia enquanto reconhecimento da vontade nacional, e por outro modo, a consagração de um direito de resistência dos povos – clero, nobreza e povo.[8]

No caso particular português, o monarca é aclamado e nunca imposto. Ou seja, apesar do príncipe herdeiro suceder ao rei falecido existe uma participação popular que ratifica essa sucessão sendo que esse passo é o acto jurídico que verdadeiramente faz o novo reinante.[7]

Não ocorria coroação: a coroa era objeto simbólico presente no cerimonial, porém ela não era colocada na cabeça do soberano. A monarquia portuguesa trai aqui o seu remoto passado germânico.[9]

Segundo Jacqueline Hermann, a coroa não assumiu para os reis portugueses o caráter fundamental que teve a outras monarquias: o cetro, no caso lusitano, era o objeto mais fundamental.[3]

Outros autores associam este papel secundário da coroa no cerimonial português ao mito sebastianista, no qual, o rei D. Sebastião teria levado consigo a coroa portuguesa e, desde então, os reis não foram mais coroados.[3]

Mas, a verdade é que, desde o século XII que era a ‘aclamação’ a legitimar o Rei de Portugal. Cada uma repetia, quase como um rito, o gesto dos cavaleiros que antes da Batalha de Ourique levantaram num escudo Afonso Henriques e declararam o seu príncipe como rei. Por isso, nas crónicas, os reis de Portugal são ‘levantados’, ‘alçados’ ou ‘aclamados’ e não ‘coroados’, ‘ungidos’ ou ‘entronizados.[4]

Deve notar-se, porém, que, pelo menos durante a primeira dinastia portuguesa, os reis portugueses eram também coroados. Em 1179 o Papa dera a Afonso Henriques a coroa e as restantes regalias e, pela mesma altura, definiu-se mesmo uma liturgia para os bispos portugueses celebrarem. Os primeiros reis seguiram a tradição de se fazerem coroar em Coimbra. No entanto, tratava-se de uma cerimónia que tinha implicações políticas indesejadas para o rei e para o reino: se fosse o rito da coroação a constituir o rei, o clero poderia subalternizar o papel do monarca.[4]

Note-se que, no particular português, desde Dom João IV de Portugal que não havia imposição formal da coroa, pois coube ao Restaurador a derradeira vez em que a Coroa dos Reis de Portugal foi colocada, pois o monarca haveria de oferecer a Coroa de Portugal a Nossa Senhora da Conceição, pela protecção concedida durante a Restauração, coroando-a Padroeira de Portugal – nas coroações de outros monarcas que haveriam de se seguir, durante a Cerimónia de Coroação a Coroa Real seria sempre acomodada numa almofada encarnada ao lado do novo Rei, como símbolo real, e não na cabeça do monarca.[7]

No contexto da monarquia constitucional, adaptada para a aclamação do rei D. Pedro V em 1855, estas cerimónias passaram a ser compostas por dois grandes momentos simbólicos: Primeiro o juramento em Cortes (no Parlamento, composto pela reunião da Câmara dos Deputados com a Câmara dos Dignos Pares do Reino); depois a aclamação popular através da cerimónia de entrega das chaves da cidade em ritual público na principal praça de Lisboa.

Mas D. Carlos, passou o segundo momento da cerimónia para o interior do novo edifício da câmara municipal de Lisboa e apenas apresentou-se ao povo durante uma parada militar.[2]

Referências

  1. legitimava a preeminência régia enquanto reconhecimento da vontade nacional, e por outro modo, a consagração de um direito de resistência dos povos – clero, nobreza e povo. - A política de casamentos da Casa de Avis (1385 – 1580), por Fernando Amorim, Janus 1999-2000
  2. a b D. Carlos I (1889-1908): epílogo da monarquia em Portugal?, por Isabel Corrêa da Silva, Pasado y Memoria. Revista de Historia Contemporánea, núm. 18, pp. 63-86, Universidad de Alicante, 2019
  3. a b c d e Servir e celebrar o rei: o cerimonial de aclamação de D. João VI e a Casa Real Portuguesa no Rio de Janeiro, por Giovanna Milanez de Castro, Anais Eletrônicos do XXII Encontro Estadual de História da ANPUH-SP Santos, 2014, pág. 9
  4. a b c d e f Real. Real. Por El-Rei de Portugal, por Patrícia Lamas, Museu de São Roque, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (consulta em 18.4.2022)
  5. A LUZ COMUM DO UNIVERSO: tipografia, publicidade e opinião no Portugal moderno. O caso da aclamação de D. João IV em Barcelos (1640-1642), por Daniel Saraiva, pág. 52
  6. Aclamação do Rei Dom João VI no Rio de Janeiro, Reficio, in Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Jean Baptiste Debret, São Paulo: Livraria Martins, 1940. 2 v. (Biblioteca Histórica Brasileira, 4, 1954)
  7. a b c d A Última Aclamação De Um Rei De Portugal, por Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica,.6.5.2015
  8. A política de casamentos da Casa de Avis (1385 – 1580), por Fernando Amorim, Janus 1999-2000
  9. Os reis de Portugal são reis da Reconquista, descendem dos monarcas asturo-leoneses que, por sua vez, assumem o manto dos soberanos visigodos. Estes mantinham vivas as longínquas tradições germânicas segundo as quais o rei era escolhido e logo elevado num escudo transportado pelos notáveis da comunidade. Esta preferência dos povos da Germânia por um monarca eleito e aclamado contrasta, por exemplo, com a França e a Inglaterra, cujos reis só eram plenamente legítimos depois de ungidos e coroados em cerimónias litúrgicas próprias. - Real. Real. Por El-Rei de Portugal, por Patrícia Lamas, Museu de São Roque, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (consulta em 18.4.2022)