Cidadania latina
A cidadania latina também direito latino, (em latim ius Latii, latinitas ou ius latinum), era um estatuto cívico entre os antigos romanos, intermédio entre a condição de cidadania romana plena e de peregrino ou seja de "não-cidadãos". Inicialmente foi concedido ao povo do Lácio, ou seja, aos latini (os latinos), estendendo-se depois a outras cidades itálicas e, posteriormente, em alguns territórios provinciais.
Direito Latino
[editar | editar código-fonte]O conteúdo exato do ius Latii, segundo o direito romano, variava de cidade para cidade. Mas podia incluir alguns ou até todos os direitos seguintes:
- Ius commercii : o direito ao comércio, ou seja, o direito de ter relações comerciais com cidadãos romanos em igualdade de condições e de usar as mesmas formas de contrato que os cidadãos romanos;
- Ius connubii : o direito de casar nos termos da lei;
- Ius migrationis : o direito de migrar, ou seja, o direito de manter o grau de cidadania após a mudança para outro município.
- Ius civitatis mutandae : o direito de se tornarem cidadãos romanos mediante a ocupação dum cargo na magistratura municipal.
Ocasionalmente também tinham, sob certas condições, o
- Ius suffragii ("direito de voto") : este era exercido como parte de uma única tribo e apenas se migrassem para Roma.[1]
Fora da Itália, o termo Latinitas continuou a ser usado em outros casos. Cícero usou este termo em relação à concessão de direitos latinos aos sicilianos por Júlio César em 44 aC.[2] Este uso de " ius Latii " ou " Latinitas " persistiu até o reinado do imperador Justiniano I no século VI. Este estatuto foi posteriormente concedido a cidades e regiões inteiras: o Imperador Vespasiano em 74 concedeu-o a toda a Hispânia com o Édito de Latinidade[3] e o Imperador Adriano concedeu-o a muitas cidades.[4] [5]
Origem do direito latino
[editar | editar código-fonte]De 340 a 338 a.C., a Liga Latina, uma confederação de cerca de 30 cidades do Lácio (terra dos latinos) aliada a Roma, rebelou-se durante a Guerra Latina. Os romanos venceram e dissolveram a Liga Latina. Muitas das cidades-estado do Lácio foram totalmente incorporadas à República Romana, enquanto outras receberam direitos e privilégios limitados que poderiam ser exercidos nas relações com os cidadãos romanos. Estes passaram a ser conhecidos como ius Latii. O ius Latii foi também dado a algumas colónias romanas que foram fundadas ao redor da Itália nos séculos IV e III aC para fortalecer o controle romano, à medida que Roma expandia sua hegemonia sobre a península. Eram colónias às quais foi dado estatuto jurídico latino, e aos seus colonos o ius Latii, em vez do estatuto jurídico romano de outras colónias cujos colonos obtiveram a cidadania romana. Com a expansão romana para além da Itália, também foram fundadas colónias latinas fora da Itália, por exemplo, Carteia (a contemporânea San Roque), que foi fundada na Hispânia em 171 a.C. e foi a primeira colónia latina fora da Itália. Em 122 aC, o tribuno plebeu Caio Graco introduziu uma lei que estendia o ius Latii a todos os outros residentes da Itália. O efeito foi de fortalecer os laços crescentes entre Roma e os povos itálicos através do comércio, e os laços entre as grandes famílias das cidades italianas e as famílias patrícias em Roma.[6] Em 44 aC, Júlio César concedeu o ius Latii a todos os sicilianos nascidos livres. [7][8]
Direito latino durante o Império
[editar | editar código-fonte]Após a grande onda de assentamentos coloniais sob Júlio César e Augusto, o ius Latii foi usado mais como um instrumento político que visava a integração das comunidades provinciais através da sua liderança local. O estatuto latino incluía a aquisição da cidadania romana mediante a ocupação dum cargo na magistratura municipal (ius adipiscendae civitatis per magistratum), o que presumia um plano para criar no seio das elites locais uma pequena comunidade de estilo romano. Em 123 DC, o imperador Adriano fez uma modificação importante nos direitos latinos. Ele introduziu o " Latium maius " ("grandes direitos latinos"), que conferia a cidadania romana a todos os decuriões de uma cidade, em oposição ao "Latium minus", que a conferia apenas àqueles que detinham a magistratura.[9][10] A aquisição do ius Latii dependia totalmente duma decisão imperial e poderia abranger desde indivíduos, algumas cidades, ou até mesmo uma população inteira, como quando o imperador Vespasiano deu o ius Latii a toda a Hispânia. Embora este decreto pudesse abranger cidades, é importante notar que não implicava necessariamente a criação de um município (cidade autónoma). Muitas vezes, como na Hispânia, os municípios foram constituídos vários anos após a concessão inicial. Enfim, en 212, o imperador Caracala, pela via do "Constitutio Antoniniana de Civitate" ou Édito de Caracala, concedeu a cidadania a todos os homens livres do Império.
“ | Sendo que concedo a todos os peregrinos que vivem no território a cidadania romana, salvaguardando os direitos das cidades, com exceção dos Bárbaros vencidos. Assim, este édito aumentará a majestade do povo romano. | ” |
— Édito de Caracala 212. |
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- "ius Latii" Smith's Dictionary of Greek and Roman Antiquities, 1875 (inglês).
- "jus Latii" Encyclopædia Britannica, 2007 (inglês
- "Latin Revolt" (inglês
- Livy XLIII. 3–4. cf. Galsterer 1971, 8-9: (G 15); Humbert 1976, 225-34: (H 138) (inglês.
- Bowman, A. K., Champlin, E., Lintott, A., (Eds), The Cambridge Ancient History, Volume 10: The Augustan Empire, 43 BC-AD 69, Cambridge University Press, 2nd edição, 1996; (inglês ISBN 978-0521264303
- Bowman, A. K., Garnsey, P., Rathbone, D., (Eds), The Cambridge Ancient History Volume XI: The High Empire A.D. 70–192, Cambridge University Press, 2nd edição, 2000, 364–365; (inglês ISBN 978-0521263351
- S. A. et al. (Eds.), The Cambridge Ancient History Volume VII: The Hellenistic Monarchies and the Rise of Rome, Cambridge University Press; 5th edição 1928, pp 269–271; { (inglês {ISBN|978-0521044899}}
- Lewis, N., Reinhold, M Roman Civilization: Selected Readings, Vol. 1: The Republic and the Augustan Age, 3º edição, Columbia University Press, 1990; (inglês ISBN 978-0231071314
- Lewis, N., Reinhold, M Roman Civilization: Selected Readings, Vol. 2: The Empire, 3º edição, Columbia University Press, 1990; (inglês ISBN 978-0231071338
Veja também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ Schiavone, Aldo; Amarelli, Francesco; Botta, Fabio; Giovanni, Lucio De; Marotta, Valerio; Stolfi, Emanuele; Vincenti, Umberto; Luchetti, Giovanni (12 de outubro de 2016). Storia giuridica di Roma (em italiano). [S.l.: s.n.] ISBN 9788892104334
- ↑ Cícero, ad Atticus, 14, 12.
- ↑ Plínio, o Velho, História Natural, 3, 4.
- ↑ História Augusta, A vida de Adriano 21.
- ↑ Smith's Dictionary of Greek and Roman Antiquities.
- ↑ Pearson, M., Perils of Empire: The Roman Republic and the American Republic (2008), p. 210
- ↑ Wilson, R. J. A., "Sicily, Sardinia and Corsica", in Bowman, A. K., Champlin, E., Lintott, A., (eds)
- ↑ The Cambridge Ancient History, Volume 10: The Augustan Empire, 43 BC - AD 69 (1996), p. 434.
- ↑ Birley, "Hadrian and the Antonines", in Bowman, A.K., Garnsey. P., The Cambridge Ancient History, Volume 11: The High Empire, AD 70 (2000), P. 139
- ↑ Studi in onore di Remo Martini, Vol. 3 (Guffre Editore), 210, p. 470