Gasometria arterial
A gasometria arterial, é um exame invasivo, onde coleta-se sangue oriundo de uma Artéria, que tem por objetivo revelar valores de potencial de Hidrogênio (pH) sanguíneo, da pressão parcial de gás carbônico (PaCO2 ou pCO2) e oxigênio (PaO2), íon Bicarbonato (HCO3) e saturação da oxi-hemoglobina, avaliando principalmente o equilíbrio ácido-básico orgânico.1 Essa medida fornece informações sobre a adequação da ventilação alveolar e oxigenação do indivíduo,2 sendo portanto uma importante ferramenta de diagnóstico e indispensável nas urgências clínicas.3
Nesta mesma amostra podem ser dosados, ainda, alguns eletrólitos como o sódio, potássio, cálcio iônico e cloreto, a depender do aparelho (gasômetro) utilizado.
Bases Fisiológicas
[editar | editar código-fonte]Os mecanismos de regulação envolvidos na manutenção do equilíbrio acidobásico abrangem todos os componentes avaliados na gasometria arterial. O pH é a principal medida para a identificação de distúrbios relacionados a concentração de H+ no organismo, como a acidose e a alcalose. No nosso organismo, aA faixa de pH normal do plasma é de 7,38 a 7,42. Devido ao fato de ser difícil monitorar as condições intracelulares, os valores plasmáticos são utilizados clinicamente como indicadores do pH do líquido extracelular (LEC) e do pH total do corpo [...]. [GPTA1] [AL2] [AL3] O ganho de ácidos como produto direto da alimentação e de processos metabólicos é extremamente superior ao ganho de bases. Por esta razão, o corpo utiliza muito mais recursos na excreção do excesso de ácidos. A maior fonte diária de ácidos é a produção de CO2 durante a respiração aeróbia. Esse CO2 combina-se com a água para formar ácido carbônico (H2CO3), que se dissocia em H e no íon bicarbonato4. A seguinte reação é a mais importante quanto distribuição de H+ e HCO3- no organismo: CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3-. A produção de íons hidrogênio a partir dessa reação é a maior fonte de ácidos do corpo. A homeostasia do pH depende, principalmente de três mecanismos para a eliminação do excesso de H+: tampões, ventilação e regulação da função renal de H+ e HCO3-.
Os tampões são a primeira linha de regulação da acidez orgânica, disponíveis para impedir as oscilações de pH. Na presença de um tampão no organismo em situações de mudanças abruptas na concentração de H+ no LEC, a mudança de pH é moderada ou até imperceptível.
Mudanças na quantidade de CO2, H+ e HCO3- alteram a reação base de formação dos íons e, através dos tampões (principalmente o H3CO4) o equilíbrio é reestabelecido.
A ventilação representa uma resposta rápida capaz de controlar a maioria dos distúrbios acidobásicos. A hiper ou hipoventilação causadas pela compensação respiratória destinada ao ajuste do pH, têm por consequência direta mudanças na PaCO2 e concomitante desvio no pH. Assim, quando as medidas de PaCO2 encontram-se abaixo dos valores de referência normais, o organismo tenta compensar aumentando o pH, e vice-versa.
A ação dos rins na manutenção do equilíbrio acidobásico representa a linha final de regulação do pH. No geral, os rins contribuem para o equilíbrio acidobásico através de três mecanismos:
- Utilização de tampões para o H+ nos túbulos contorcidos;
- Secreção de H+ e reabsorção de HCO3- nos túbulos proximais;
- Controle da excreção ácida pelas células intercaladas nos túbulos distais.
Indicações e Contraindicações
[editar | editar código-fonte]As principais aplicações da gasometria são no diagnóstico e monitoramento de doenças pulmonares, renais e metabólicas e no monitoramento pós-operatório de grandes cirurgias. É estabelecido como critério para indicação de análise de gases sanguíneos e hemoximetria quando há a necessidade de5:
- Melhor avaliação das condições ventilatórias (PaCO2), ácido-básicas (pH) e de oxigenação (PaO2 e saturação de oxihemoglobina), da capacidade de carreamento de oxigênio (PaO2, saturação de oxihemoglobina, hemoglobina total e saturação de disehemoglobina) e do shunt intrapulmonar.
- Quantificação da resposta a intervenção terapêutica (e.g. suplementação de oxigênio, ventilação mecânica) ou a avaliações diagnósticas (e.g. dessaturação ao exercício).
- Acompanhamento no tratamento precoce guiado por metas (EGDT) medindo saturação de oxigênio venoso central em pacientes com sepse, choque séptico e após grandes cirurgias.
- Monitoração de gravidade e progressão de processos patológicos documentados.
- Avaliação da resposta circulatória (Variação entre pCO2 arterial e venoso centrais pode indicar perfusão inadequada).
Entre as possíveis contraindicações incluem-se6:
- Teste Allen Modificado anormal (Neste caso, é recomendado buscar um ponto diferente para realizar a punção).
- Infecção local ou anatomia distorcida no potencial local de punção.
- Presença de fistulas arteriovenosas ou bypass vascular, nesse caso sendo excluída a possibilidade de punção vascular arterial.
- Coagulopatia severa.
- Terapia de anticoagulação com varfarina, heparina e derivados, inibidores diretos de trombina ou inibidores do fator X.
- Uso de agente trombolíticos, como por exemplo a estreptoquinase e t-PA.
Quanto ao procedimento
[editar | editar código-fonte]Recomendações pré-procedimento:
- Repouso do paciente por, no mínimo, 10 minutos
- Realização do Teste de Allen.
- O paciente deve estar sentado (exceto em pacientes acamados).
- Higienização das mãos e paramentação dos EPI’s;
- Realização do Teste de Allen, antissepsia do local;
- Perfuração da pele e artéria em um só movimento, com agulha inclinada a 45° e o bisel disposto lateralmente;
- Coleta de 1 a 3 mL de sangue;
- Retirada da agulha;
- Identificação da seringa com o nome do paciente e encaminhamento ao laboratório, de preferência em gelo;
- Observar a ocorrência de possíveis complicações como: equimose local, dores, edema, formigamentos, hemorragias, fístulas, pseudoaneurismas, isquemia, perda de permeabilidade do vaso e retenção urinária no caso de punções femorais.7,8,9,1
Parâmetros
[editar | editar código-fonte]Os parâmetros mais comumente avaliados, e seus valores de referência, na gasometria arterial são:
- pH 7,35 a 7,45
- pO2 (pressão parcial de oxigênio) 80 a 100 mmHg
- pCO2 (pressão parcial de gás carbônico) 35 a 45 mmHg
- HCO3 (necessário para o equilíbrio ácido-básico sanguíneo) 22 a 26 mEq/L
- SaO2 Saturação de oxigênio (arterial) maior que 95%
A gasometria consiste na leitura do pH e das pressões parciais de O2 e CO2 em uma amostra de sangue. A leitura é obtida pela comparação desses parâmetros na amostra com os padrões internos do gasômetro. Essa amostra pode ser de sangue arterial ou venoso, porém é importante saber qual a natureza da amostra para uma interpretação correta dos resultados.
Parâmetros normais para gasometria arterial
[editar | editar código-fonte]pH
[editar | editar código-fonte]A avaliação do pH serve para determinar se está presente uma acidose ou uma alcalose. Um pH normal não indica necessariamente a ausência de um distúrbio ácido-básico, dependendo do grau de compensação. O desequilíbrio ácido-básico é atribuído a distúrbios ou do sistema respiratório (PaCO2) ou metabólico.
PaO2 ou PO2
[editar | editar código-fonte]A PaO2 exprime a eficácia das trocas de oxigênio entre os alvéolos e os capilares pulmonares, e depende diretamente da pressão parcial de oxigênio no alvéolo, da capacidade de difusão pulmonar desse gás, da existência de Shunt anatômicos e da reação ventilação / perfusão pulmonar. Alterações desses fatores constituem causas de variações de PaO2.
PaCO2 ou PCO2
[editar | editar código-fonte]A pressão parcial de CO2 do sangue arterial exprime a eficácia da ventilação alveolar, sendo praticamente a mesma do CO2 alveolar, dada a grande difusibilidade deste gás. Seus valores normais oscilam entre 35 a 45 mmHg.
Exemplos:
- Se a PaCO2 estiver menor que 35 mmHg, o paciente está hiperventilando, e se o pH estiver maior que 7,45, ele está em Alcalose Respiratória.\
- Se a PaCO2 estiver maior que 45 mmHg, o paciente está hipoventilando, e se o pH estiver menor que 7,35, ele está em Acidose Respiratória.
HCO3- (bicarbonato)
[editar | editar código-fonte]As alterações na concentração de bicarbonato no plasma podem desencadear desequilíbrios ácido-básicos por distúrbios metabólicos.
- Se o HCO3- estiver maior que 26 mEq/L com desvio do pH > 7,45, o paciente está em Alcalose Metabólica.
- Se o HCO3- estiver menor que 22 mEq/L com desvio do pH < 7,35, o paciente está em Acidose Metabólica.
BE (Base excess)
[editar | editar código-fonte]Sinaliza o excesso ou déficit de bases dissolvidas no plasma sanguíneo.
SatO2 (%)
[editar | editar código-fonte]Conteúdo de oxigênio/Capacidade de oxigênio; corresponde à relação entre o conteúdo de oxigênio e a capacidade de oxigênio, expressa em percentual.
Distúrbio Respiratório
[editar | editar código-fonte]Acidose Respiratória (Aumento da PaCO2)
[editar | editar código-fonte]Qualquer fator que reduza a ventilação pulmonar, aumenta a concentração de CO2 (aumenta H+ e diminui pH) resulta em acidose respiratória.
- Hipoventilação → Hipercapnia (PaCO2 > 45mmHg) → Acidose respiratória
Alcalose Respiratória (Diminuição da PaCO2)
[editar | editar código-fonte]Alcalose Respiratória (Diminuição da PaCO2)
Quando a ventilação alveolar está aumentada, a PaCO2 alveolar diminui, consequentemente, haverá diminuição da PCO2 arterial menor que 35mmHg, caracterizando uma alcalose respiratória (diminuição de H+, aumento do pH).
- Hiperventilação → Hipocapnia (PaCO2 < 35mmHg) → Alcalose respiratória
Distúrbio Metabólico
[editar | editar código-fonte]Acidose Metabólica (Diminuição de HCO3-)
[editar | editar código-fonte]O distúrbio ácido-básico que mais frequentemente se observa na prática clínica é a acidose metabólica. A administração de HCO3- por via venosa está indicada quando o pH < 7.25, na maioria dos casos.
- ↓ HCO3- ( < 22 mEq/L) e ↓ pH ( < 7,35)
Alcalose Metabólica (Aumento de HCO3-)
[editar | editar código-fonte]A alcalose metabólica verifica-se quando o corpo perde muito ácido. Pode desenvolver-se quando a excessiva perda de sódio ou de potássio afeta a capacidade renal para controlar o equilíbrio ácido-básico do sangue.
- ↑ HCO3- ( > 28 mEq/L) e ↑ pH ( > 7,45)
Em resumo:
- Olhar o pH se ele estiver acima da faixa tem alcalose, se estiver abaixo da faixa tem acidose.
- Se devido ao aumento de pCO2 sera uma acidose respiratória (pacientes que por algum motivo ventilem mal - como portadores de bronquite crônica- acabam retendo mais CO2 e o sangue tende a ficar mais ácido. O rim então é acionado a reter bicarbonato para compensar o aumento de CO2)
- Se devido a uma queda do Bicarbonato será uma acidose metabolica. Uma das causas de acidose metabólica é doença renal crônica, na qual q função renal de secretar prótons de H está comprometida. Com isso, há um acúmulo de prótons de H que consomem o bicarbonato sanguíneo.
- Se tiver um aumento do bicarbonato será uma alcalose metabólica.
- Se tiver uma diminuição do pCO2 temos uma alcalose respiratória.
- Se o pH estiver normal avaliar se não esta ocorrendo uma compensação: entre 7,35 e 7,40 - podem indicar normalidade ou acidose compensada. Se estivesse na metade superior - 7,40 a 7,45 - seria normalidade ou alcalose compensada.
- Se for uma acidose metabolica COMPENSADA, teremos a queda do bicarbonato contudo a frequência do paciente aumenta para compensar e desta forma o pCO2 também estara diminuido na compensação.
- Se for uma acidose respiratória COMPENSADA, teremos pCO2 aumentado contudo o bicarbonato também aumentará para haver a compensação.
- No caso de uma acidose mista: Como a função repiratória e renal atuam compensando alterações uma da outra, nesse quadro não há compensação pois ambas estão comprometidas;
- Se for uma alcalose metabolica COMPENSADA, teremos além do aumento do bicarbonato um aumento do pCO2 para compensar.
- Se for alcalose respiratória COMPENSADA teremos uma diminuição do pCO2 e para haver a compensação o bicarbonato também estará diminuído.
Referências
[editar | editar código-fonte]- Mota IL, Queiroz RS. Distúrbios do equilíbrio ácido básico e gasometria arterial: uma revisão crítica. Rev. Digital - Buenos Aires 2010;14(141).
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- SILVERTHORN, D. Fisiologia Humana: Uma Abordagem Integrada, 7a Edição, Artmed, p. 641-645, 2017.
- Davis MD, Walsh BK, Sittig SE, Restrepo RD. AARC Clinical Practice Guideline: Blood Gas Analysis and Hemoximetry: 2013. Respiratory Care 2013; Vol. 58:1694–1703.
- Dougherty, Lisa; Lister, Sara. The Royal Marsden Manual of Clinical Nursing Procedures. West Sussex: Wiley Blackwell. 9ª edição, 2015, p.527-528.
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