Terra sem males

Na mitologia guarani, a terra sem males (Yvy marã e'ỹ em guarani) faz referência ao mito de uma terra onde não haveria fome, guerras ou doenças.[1]

Representação artística da Terra Sem Mal (Yvy Marã Ey).
Representação artística da Terra Sem Mal (Yvy Marã Ey).

Aspecto do paraíso Yvy Marã Ey

[editar | editar código-fonte]

De acordo com a autora do livro História do Caminho de Peabiru, Rosana Bond, este paraíso tupi-guarani se configuraria numa ilha real que a grande maioria dos guaranis consideram estar localizada a leste, em alguma parte no Oceano Atlântico. Para se chegar a ela seria necessário estar no estado de perfeição que os indígenas denominam aguyjé (um estado espiritual)[2]. A ilha portanto não seria visível a qualquer mortal e se assim fosse a mesma se moveria para longe, pois somente os que estivessem em estado de perfeição poderiam adentrar[3].

Na ilha moraria o deus criador Nhamandu, sua casa seria uma cabana. Dentro estariam o Jaguar Azul (Jaguarový ou Charía) e o Morcego Originário (Mbopí recoypý)[2], ambos contidos pelo deus, pois se soltos o Jaguar Azul destruiria a humanidade e o Morcego Originário engoliria o sol[4]. Do lado de fora da cabana estaria uma serpente, o que muitos acreditam ser uma Caninana. A cabana de Nhamandu estaria rodeada de trevas, mas em seu tórax ainda brilharia a luz criadora, a mesma que ele portava no começo da criação, e isso iluminaria os seus arredores.[2]

De acordo com os indígenas, muitas aves migratórias vão para este lugar e retornam também. Aves como araras, tangarás e sabiás. Na ilha, tanto a fauna como a flora falariam como os humanos.[carece de fontes?]

Busca da Terra sem Males

[editar | editar código-fonte]

Em 1549, sofrendo com a colonização portuguesa, 12 000 a 14 000 indígenas partiram do litoral rumo aos Andes.[5] Apenas trezentos chegaram a Chachalpoyas, no Peru, onde foram capturados e presos.[6] Apesar de ter sido suposto que a busca a "terra sem males" tenha tido papel central nesses processos de resistência e migração,[7][6] trabalhos etno-históricos contestam a veracidade dessa teoria, pela ausência de dados empíricos que comprovem-na, sendo resultado de uma leitura redutiva das fontes documentais. Segundo o historiador Eduardo Neumann (2009):

"As migrações praticadas pelos guaranis estão ligadas ao sentido da terra, do território e do espaço social (...) Para os guaranis a terra não é uma divindade, mas está impregnada de toda experiência religiosa. A terra, por sua vez, é o suporte, um meio para eles efetivarem a sua economia de reciprocidade. É através da terra que eles procuram atingir toda sua plenitude. Assim, em determinadas ocasiões, devido à manifestações do líderes espirituais, por seu tom profético e a busca por novas terras, alguns etnógrafos sentiram-se autorizados a firmarem que todo o pensamento dos guaranis estava orientado em torno da terra sem mal".[8]

Ainda, o mito da Terra sem Mal ou o mito do messianismo tupi-guarani teria sido generalizado a todas populações tupi-guarani, quando de fato era exclusivo aos apapocuva e tembés, etnografados por Nimuendaju.[9]

O Guajupiá dos tupinambás

[editar | editar código-fonte]

Os tupinambás acreditavam na existência de Guajupiá, um paraíso para os mortos, alcançado com auxílio de rituais fúnebres e mais facilmente por aqueles com mérito bélico.[10][11][12]

Referências

  1. Rocha, Joana D'arc Portella (31 de março de 2010). «TERRA SEM MAL: O MITO GUARANI NA DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS». Consultado em 31 de dezembro de 2020 
  2. a b c BOND, Rosana (2009). História do Caminho de Peabiru: Descobertas e segredos da rota indígena que ligava o Atlântico ao Pacífico. [S.l.]: Aimberê. p. 97 
  3. SCHADEN, Egon (1974). Aspectos Fundamentais da Cultura Guarani. São Paulo: E.P.U. pp. 166–167 
  4. NIMUENDAJÚ, Curt Unkel (1987). As lendas da criação e destruição do mundo como fundamentos da religião dos Apapocúva-Guarani. São Paulo: HUCITEC. p. 50 
  5. Viana, Hélio (7 de setembro de 1953). «A primeira versão do "Tratado da Terra do Brasil" de Pero de Magalhães Gandavo». Revista de História (15). 89 páginas. ISSN 2316-9141. doi:10.11606/issn.2316-9141.v7i15p89-95. Consultado em 13 de setembro de 2020 
  6. a b Métraux, Alfred (1927). «Migrations historiques des Tupi-Guarani». Journal de la Société des Américanistes (1): 21–22. ISSN 0037-9174. doi:10.3406/jsa.1927.3618. Consultado em 13 de setembro de 2020 
  7. Clastres, Hélène VerfasserIn. Terra sem mal : o profetismo tupi-guarani. [S.l.: s.n.] OCLC 1021406309 
  8. NEUMANN, Eduardo (2009). Os Guaranis e a Razão Gráfica: Cultura escrita, memória e identidade indígena nas reduções - Século XVII & XVIII". In: KERN, Arno, SANTOS, M. Cristina dos, GOLIN, Tau (orgs.). "História - Rio Grande do Sul - Povos Indígenas". 5. Passo Fundo: Méritos editora. p. 232. ISBN 9788589769679. OCLC 86081140 
  9. de Castelnau-L'estoile, Charlotte (abril de 2006). «Cristina Pompa. Religião como tradução. Missionarios, Tupi e Tapuia no Brasil colonial. São Paulo, Edusc, 2003, 443 p.». Annales. Histoire, Sciences Sociales (2). ISSN 0395-2649. doi:10.1017/s0395264900001189. Consultado em 14 de setembro de 2020 
  10. Thevet, André. (1575). La cosmographie universelle d'André Thevet, cosmographe du roy : illustrée de diverses figures des chose plus remarquables veues par l'auteur, & incogneuës de noz anciens & modernes. [S.l.]: Chez Guillaume Chandiere. OCLC 243563097 
  11. Yves, d'Evreux. (1929). ... Viagem ao norte do Brasil, pelo padre Ivo d' Evreux. [S.l.]: Freitas Bastos & cia. OCLC 23224909 
  12. Fernandes, Florestan (1970). A função social da guerra na sociedade Tupinambá 2 ed. São Paulo: Pioneira/Editora da USP. p. 187 
Ícone de esboço Este artigo sobre mitologia é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o.