Zombaria com Jesus

Jesus entre os ladrões. À sua esquerda, o ladrão impenitente, que zomba de Jesus e sua alma aparece sendo levada por um demônio. Do lado oposto, a alma do bom ladrão está sendo saudada por um anjo.
Vitral na Église Sainte-Walburge, em Walbourg, na França.

Zombaria com Jesus é o nome utilizado para vários episódios da vida de Jesus nos Evangelhos e um tema da arte cristã. Entre as ocasiões que Jesus foi zombado estão o momento seguinte ao seu julgamento no Sinédrio e antes de sua crucificação. Estes eventos são todos parte da Paixão. De acordo com as narrativas evangélicas, Jesus profetizou que seria zombado (Mateus 20:19, Marcos 10:34 e Lucas 18:32), o que ocorreu em três estágios: o primeiro imediatamente depois de seu julgamento, o segundo logo depois de sua condenação por Pôncio Pilatos e finalmente quando já estava na cruz.

As narrativas de Jesus sendo zombado estão repletas de ironias, com as ofensas direcionadas principalmente sobre o papel de rei ou de profeta de Jesus.[1][2]

Primeiro estágio

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Zombado por três vezes
Depois do julgamento no Sinédrio
Séc. XVI. Dos seguidores de Lucas Cranach, o Velho, atualmente em coleção particular.
Depois de aparecer na corte de Herodes
Entre 1886 e 1894. Por James Tissot, atualmente no Brooklyn Museum, em Nova Iorque.
Depois de ser condenado por Pilatos
Séc. XVII. Por um mestre desconhecido, atualmente no Louvre, em Paris.

Depois da condenação pelo Sinédrio, alguns dos sumo sacerdotes cuspiram em Jesus (Marcos 14:65). Ele foi vendado, surrado e humilhado: «Adivinha [Profetiza]! Quem é o que te bateu?» (Lucas 22:64) Segundo Joel B. Green, Jesus foi zombado pelos "sumo sacerdotes, oficiais da polícia do templo e os anciãos" mencionados em Lucas 22:52.[3] Segundo Mateus 26:67, os sacerdotes "lhe cuspiram no rosto e lhe deram punhadas, e outros o esbofetearam".

Green sugere que Jesus sofre a zombaria que tipicamente é dedicada aos profetas e que ela indica sua "solidariedade com os agentes de Deus que falam em nome de Deus e são rejeitados".[3] Susan R. Garrett entende que a inclusão da zombaria em Marcos como uma ironia, pois Jesus é de fato um profeta e estava sendo zombado por isso no exato momento que sua profecia sobre as negações de Pedro estavam sendo realizadas.[4] A missão dos profetas nem sempre aparece como sendo bem recebida na Bíblia[5][6][7] e os profetas frequentemente acabam sendo atacados e perseguidos.[8]

Segundo estágio

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Depois de sua condenação por Pôncio Pilatos, Jesus foi chicoteado e zombado pelos soldados romanos. Eles o vestiram «de púrpura» (Marcos 15:17) ou «carmesim» (Mateus 27:27), símbolos da realeza, pois a púrpura era a cor imperial; puseram-lhe uma coroa de espinhos, simbolizando uma coroa real, e um cajado nas mãos, simbolizando um cetro. Eles em seguida ajoelharam-se à sua frente e disseram: «Salve, Rei dos Judeus!» (Mateus 27:29) Toda esta encenação visava humilhar Jesus e sua realeza. Depois, cuspiram nele e bateram em sua cabeça repetidas vezes com uma vara.[9]

Peter Leithart lembra que, no final desta cena, os soldados "invertem a coroação com uma anti-coroação. Eles cuspiram por desprezo ao invés de ajoelharem-se em reverência, tomaram-lhe o cetro das mãos e bateram em Sua cabeça coroada com ele, arrancaram o manto púrpura e o substituíram pelo manto anterior de Jesus". Leithart afirma ainda que, neste ponto, os romanos "removem o véu da ironia e revelam o que de fato pensavam" sobre Jesus e seu Deus.[10]

Robert J. Miller sugere que o relato evangélico é profundamente irônico, pois Jesus está exercitando sua realeza através de sua submissão e sofrimento: "os soldados romanos, sem querer, avançaram os desígnios secretos de Deus ao vesti-lo como rei".[11] Na realidade, a ironia opera em dois níveis. James L. Resseguie nota que há a ironia verbal na forma como os soldados "zombam de Jesus como um fracasso deprimente e um pretenso rei" (ou seja, os soldados estão eles próprios sendo irônicos) e também uma ironia dramática, pois os leitores "sabem que a aclamação soa real de uma forma que os soldados jamais poderiam entender".[12]

Lucas é o único que relata Jesus na corte de Herodes e, em Lucas 23:11, lê-se que os soldados de Herodes Antipas também o ridicularizaram.

Terceiro estágio

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Jesus também foi zombado quando estava na cruz. De acordo com Marcos 15:31, quem humilhava Jesus eram "os principais sacerdotes com os escribas", que diziam, zombeteiramente, "Ele salvou aos outros, a si mesmo não se pode salvar!"

Lucas 23:36–37 menciona a zombaria pelos soldados romanos: "Os soldados também o escarneciam, chegando-se a ele, oferecendo-lhe vinagre e dizendo: Se tu és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo", implicando que ele não poderia ser o profeta e o rei dos judeus que ele disse que era, pois estava ali incapaz de ajudar a si próprio. Em Mateus 27:42, o povo, os sacerdotes e os anciãos zombam de Jesus e gritam para ele: "Ele salvou aos outros, a si mesmo não se pode salvar! Rei de Israel é ele! Desça agora da cruz e creremos nele!" De acordo com Lucas 23:39, o ladrão que foi crucificado à esquerda de Jesus passou a insultá-lo: "Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também!".

Assim, apesar de o primeiro estágio envolver a zombaria pelos judeus e o segundo, pelos gentios, no último Jesus foi zombado por todos.[13] Segundo Leithart, neste ponto "judeus e gentios, governadores e criminosos, escribas e pessoas comuns, toda humanidade se junta num único coro de blasfêmia".[10]

Timothy C. Gray lembra que, no Evangelho de Marcos, a zombaria de Jesus na cruz "relembra duas das acusações feitas contra Jesus em seu julgamento": em primeiro lugar, que Jesus "ameaçou destruir o templo" (Marcos 14:58 e Marcos 15:29); em segundo, que Jesus "alegou ser o Messias" (Marcos 14:61–62 e Marcos 15:31–32).[14]

Importância teológica

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Peter Leithart argumenta que a pessoa de Jesus, o próprio Deus, foi zombado. Ele sugere que "para Mateus, a cruz é, principalmente, a zombaria do homem com Deus" e nota que, apesar de Paulo dizer em Gálatas 6 que «Deus não se zomba» (Gálatas 6:7), ele o faz precisamente por que ele já teria sido zombado na figura de Jesus.[10]

Muitos cristãos vêm o sofrimento de Jesus como sendo redentor. Francis Foulkes defende que a ênfase do Novo Testamento é no sofrimento e morte de Jesus sendo "para nós".[15] Desta forma, muitos cristãos acreditam que a zombaria que Jesus suportou foi por causa deles.

Jesus sendo zombado na cruz é também uma manifestação da misericórdia de Deus através de Jesus, que está sendo ele próprio zombado, humilhado e surrado. Dois homens foram crucificados ao mesmo tempo que Jesus, um à sua direita e outro, à esquerda (Mateus 27:38, Marcos 15:27–28, 32, Lucas 23:33 e João 19:18), o que, segundo Marcos, seria uma realização de uma profecia de Isaías (Isaías 53:12). Segundo Mateus e Marcos, respectivamente, os dois "ladrões" zombaram de Jesus. Porém, Lucas menciona que:

«Um dos malfeitores que estavam pendurados, blasfemava contra ele, dizendo: Não és tu o Cristo? salva-te a ti mesmo e a nós também. Mas o outro, repreendendo-o, disse: Nem ao menos temes a Deus, estando debaixo da mesma condenação? Nós certamente com justiça, porque recebemos o castigo que merecem os nossos atos; mas este nenhum mal fez. E disse: Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu reino.Ele lhe respondeu: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso.» (Lucas 23:39–42)

Jesus prometeu ao "bom ladrão" que ele irá ter com Ele no paraíso bem na frente dos que estavam ali zombando dele, uma demonstração da misericórdia de Deus.[16]

Referências

  1. Larry Chouinard, Matthew (1997), p. 487.
  2. David L. Tiede, Luke (1988), p. 398.
  3. a b Joel B. Green, The Gospel of Luke (1997), p. 789.
  4. Susan R. Garrett, The Temptations of Jesus in Mark's Gospel (1998), p. 118.
  5. Commentary on Jeremiah, The Jewish Study Bible, Oxford University Press, 2004
  6. Isaiah (Commentary), John Goldingay, Hendrickson, 2001
  7. Commentary on Isaiah 6:8-13, The Jewish Study Bible, Oxford University Press, 2004
  8. ’’Jeremiah (Prophet)’’, The Anchor Bible Dictionary Volume 3, Doubleday, 1992
  9. «Matthew 27». Bible Gateway. Consultado em 18 de abril de 2014 
  10. a b c Peter Leithart, God is Mocked, Credenda/Agenda.
  11. Robert J. Miller, The Complete Gospels (1994), p. 50
  12. James L. Resseguie, Narrative Criticism of the New Testament: An Introduction (2005), p. 74.
  13. Klaas Schilder, Christ on Trial (1939), p. 177.
  14. Timothy C. Gray, The Temple in the Gospel of Mark: A Study in Its Narrative Role (2008), p. 181.
  15. Francis Foulkes, Death of Christ, Baker's Evangelical Dictionary of Biblical Theology.
  16. «The Eleventh Station: Jesus Promises His Kingdom to the Good Thief». Beliefnet. Consultado em 18 de abril de 2014 
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