Simbolismo anarquista
O movimento anarquista foi associado a uma série de símbolos ao longo de sua existência, que de diversas formas vieram a representar seus ideais de igualdade, liberdade e rejeição à autoridade.
Estes símbolos muitas vezes são derivados de símbolos comunistas e socialistas, ou mesmo compartilhados com estes movimentos. É o caso da estrela vermelha de cinco pontas, usada tanto pelo exército vermelho da União Soviética quanto por organizações como as Forças Guerrilheiras Internacionais e Revolucionárias do Povo. Isso se deve à origem do anarquismo como uma vertente do socialismo, a seu caráter anticapitalista e à sua proximidade às questões trabalhistas e à luta de classes. Outros símbolos que o anarquismo tem em comum com o socialismo e comunismo são as ferramentas cruzadas, como na logo da revista Earth First!, além de músicas como A Internacional.
Os símbolos anarquistas, por sua vez, influenciaram as subculturas punk, e são muitas vezes percebidos como símbolos de rebeldia e rejeição à autoridade, politizada ou não.[1] Muitos símbolos anarquistas, como a bandeira diagonal, foram adotados por libertaristas de direita e anarco-capitalistas, ainda que estes não pertençam às mesmas tradições que o anarquismo.[2]
Bandeiras
[editar | editar código-fonte]Bandeira Negra
[editar | editar código-fonte]A Bandeira Negra, e a cor negra em geral, é um dos símbolos mais antigos e duradouros do anarquismo. Diversas organizações ativistas ou mesmo paramilitares libertárias se identificaram com bandeiras negras, por vezes estampadas com símbolos ou slogans anarquistas.
Origens e simbolismo
[editar | editar código-fonte]Ainda que sua origem seja um tanto incerta, um dos relatos mais recorrentes sobre o surgimento do símbolo credita Louise Michel, uma importante militante anarquista e feminista e participante da Comuna de Paris, com sua invenção e popularização em 1883, durante uma manifestação de desempregados em Paris.[3] Ainda assim, existem indícios do uso do símbolo anteriores a Michel, já em 1831.[4] A bandeira negra desde o início surge em diálogo com a bandeira vermelha do socialismo e republicanismo, quando Michel afirma que a bandeira vermelha não é mais apropriada, e os anarquistas deveriam "levantar a bandeira negra da miséria" dos trabalhadores.[5]
Para Howard J. Ehrlich, além de ser explicitamente derivada da bandeira vermelha socialista, a bandeira negra também existe como uma forma de negar o uso de símbolos nacionais, como uma espécie de "anti-bandeira".[6] Ainda segundo o autor, o preto da bandeira também simboliza o luto por todas as vidas perdidas devido às desigualdades e à violência do Estado. Para Piotr Kropotkin, a bandeira preta simbolizava a guerra sem tréguas, adquirindo um caráter oposto ao da bandeira branca da rendição.[7]
Bandeiras negras foram usadas por diversos movimentos anarquistas proeminentes ao longo da história, como o Exército Insurgente Makhnovista na Ucrânia.[8][9] O próprio nome "bandeira negra" foi usado por diversos grupos e publicações anarquistas, como a publicação francesa do século XIX Le Drapeau Noir,[10] a revista inglesa iniciada em 1970 Black Flag[11] e organizações modernas como o brasileiro Coletivo Anarquista Bandeira Negra.[12] A bandeira negra aparece na logo de organizações como a Tekoşîna Anarşîst, junto com a estrela vermelha socialista. De forma mais ampla, menções à cor negra são comuns nos nomes de organizações anarquistas, como a Cruz Negra Anarquista e a Internacional Negra. O símbolo também transcende o anarquismo e aparece em subculturas influenciadas pela ideologia, como no nome da banda de punk rock Black Flag.
Bandeira Diagonal
[editar | editar código-fonte]Muitos movimentos e organizações anarquistas utilizam bandeiras bicolores divididas diagonalmente como símbolo. A mais comum é a bandeira vermelha e preta, ou bandeira rubro-negra.
Origens e simbolismo
[editar | editar código-fonte]A bandeira diagonal vermelha e preta foi utilizada pela primeira vez pela Confederação Nacional do Trabalho, na Espanha, em uma mobilização de primeiro de maio em 1931, logo após a proclamação da Segunda República Espanhola. Bandeiras vermelhas e pretas já eram usadas por anarquistas por décadas, mas divididas verticalmente ou horizontalmente.[13] O design diagonal foi sugerido por Juan García Oliver. De acordo com o historiador e anarquista Abel Paz, a CNT estava dividida simbolicamente quanto à escolha "sob qual bandeira marchar". Na divisão, haviam anarquistas de "bandeira vermelha", mais ligados a questões econômicas e trabalhistas, e de "bandeira negra", mais ligados a questões culturais. De acordo com Paz:
“ | Com a proclamação da república, e à vista das perspectivas que facilitavam o movimento de massas, a dita polêmica tinha pouco sentido. No entanto, era preciso deixar clara a concordância mútua. E foi justamente García Oliver quem propôs dar uma expressão plástica à concordância, fazendo das duas bandeiras uma só: a bandeira rubro-negra. | ” |
— Abel Paz[14]. |
Após a derrota da revolução espanhola, a bandeira diagonal se tornou um símbolo popular do movimento anarquista. Enquanto que as cores originais da bandeira rubro-negra eram associadas ao anarquismo social e ao anarco-sindicalismo, outras variações surgiram representando vertentes variadas do anarquismo. A bandeira roxa e negra é usada como símbolo do anarca-feminismo,[15] enquanto que a bandeira verde e negra é associada ao anarquismo verde e ao anarco-primitivismo[16] e a bandeira rosa e negra ao anarquismo queer.
Estrelas de cinco pontas divididas diagonalmente de forma similar à bandeira diagonal também são usadas como símbolo por muitas organizações anarquistas, como o Exército de Insurreição e Liberação Queer.
Símbolos visuais
[editar | editar código-fonte]O A Circulado
[editar | editar código-fonte]O A Circulado é um dos símbolos anarquistas mais conhecidos. O símbolo em sí é um monograma, em que a letra “A” aparece envolta pela letra “O”. O proposito do monograma é representar parte de uma famosa citação de Pierre-Joseph Phroudon, “a sociedade busca a ordem na anarquia”, com as iniciais de cada palavra formando o símbolo.
Origem e simbolismo
[editar | editar código-fonte]Diferente da bandeira negra, as origens do A Circulado são muito mais nebulosas, e não há um consenso quanto à época ou região de seu surgimento. Uma das versões mais aceitas sobre sua origem afirma que o símbolo foi criado na frança em 1964 por um grupo de juventude anarquista.[17] Uma investigação do escritor anarquista Amedeo Bertolo para a publicação libertária italiana A - Rivista Anarchica em 1981 credita a organização Jeunesses Libertaires por sua criação. De acordo com um boletim interno do grupo:
“ | Duas motivações principais nos levaram ao símbolo: primeiro facilitar e tornar mais eficazes as pichações e cartazes nos muros, e depois garantir uma presença mais ampla do movimento anarquista aos olhos da gente e um caráter comum a todas as expressões do anarquismo em suas manifestações públicas. Mais precisamente se tratava, a nosso ver, de encontrar um meio fácil de, por um lado, minimizar o tempo gasto assinando nossos slogans nas paredes e, por outro, escolher um símbolo geral o suficiente para ser adotado por todos os anarquistas. | ” |
— La veridica storia della A cerchiata.[18]. |
Outras hipóteses afirmam que o símbolo tem origens mais antigas, e que seria um derivado direto do símbolo usado pela Associação Internacional dos Trabalhadores na Espanha, que contou com uma grande participação de anarquistas.[19] Stefan Arvidsson, pesquisador da simbologia socialista pre-soviética, especula que o símbolo tenha inspirações naqueles usados por organizações maçônicas trabalhistas no século XIX, como a americana Fraternal Democrats.[20] Uma terceira hipótese afirma que o símbolo teria origens no movimento anarco-punk, e que a banda Crass teria sido instrumental em sua popularização.[21]
O A Circulado se tornou um símbolo fortemente difundido no movimento anarquista após Maio de 1968.[22] Parte de sua popularidade é associada ao fato de que as palavras "Anarquia", "Anarquismo" e "Ácrata" começam com a letra "A" em um grande número de idiomas diferentes (e pode-se mencionar que a letra "A" é idềntica no alfabeto latino e no alfabeto cirílico), facilitando o uso internacional do monograma.[19]
Um símbolo similar pode ser escrito em Unicode com o código U+24B6: Ⓐ.[23] Esse unicode é utilizado por alguns ativistas digitais e grupos hacktivistas para identificar-se como anarquistas online.
Símbolo Okupa, ou Símbolo Squatter
[editar | editar código-fonte]O símbolo Squatter é usado por anarquistas para indicar apoio às ocupações urbanas.
O raio dentro de um círculo como símbolo de ocupações urbanas foi usado originalmente pelo movimento sem-teto de Amsterdã em 1979.[24] Seu primeiro uso foi em um poster contra a repressão a uma ocupação do complexo Groote Keijser.
Assim como o gato preto Sabo-Tabby, o gato preto anarco-sindicalista, o símbolo okupa tem inspiração nas pichações de Hobos estadunidenses. A versão original do símbolo, com uma seta em linha reta apontando para a esquerda, era quase idêntica a um glifo hobo.[25]
No brasil, o símbolo Squatter é usado como logo pelo coletivo anarquista Kasa Invisível, que mantém a ocupação de três casas abandonadas em Belo Horizonte desde 2013.[26]
Gato Preto
[editar | editar código-fonte]O Gato Preto, apelidado de “sabo-tabby” (um trocadilho com a palavra “sabotagem”) é um símbolo anarco-sindicalista e sindicalista revolucionário inicialmente popularizado pela Industrial Workers of the World (IWW).[27] O símbolo foi criado pelo líder sindicalista Ralph Chaplin ao final da década de 1910, com inspiração nos símbolos de pichações Hobo americanos. A escolha do gato com as costas arqueadas em posição de alerta é uma referência às chamadas Greves Selvagens, nos Estados Unidos conhecidas como Wildcat Strikes (Greves de Gato selvagem, em tradução livre).
Segundo Ralph Chaplin, o objetivo era apontar para a ideia de sabotagem em uma greve, servindo para invocar nos patrões a superstição de que gatos pretos trariam má sorte.[28] O Sabo-Tabby seria uma forma de remeter à ação direta e sindicalização, e foi muito usado em material de propaganda da IWW.
O Gato Preto não é reivindicado como mascote pela IWW atualmente, mas é usado como símbolo por muitos sindicatos filiados a ela.[28]
Símbolo do Caos
[editar | editar código-fonte]O Símbolo do caos é um símbolo moderno do anarquismo, ocasionalmente usado por anarquistas pós-esquerda e anarquistas nietzschianos. O símbolo tem sua origem no livro de fantasia Eternal Champion do escritor anarquista Michael Moorcock.[29] No livro, serve de oposição ao símbolo da Lei: ao passo que a Lei é representada por uma única seta apontando para cima, o Caos é representado por oito setas apontando em várias direções.
A logo da organização anarquista individualista insurrecionária Conspiração das Células de Fogo tem inspiração no símbolo do caos.
Rosa Negra
[editar | editar código-fonte]A Rosa Negra, assim como o Símbolo do Caos, é uma adição mais moderna à simbologia anárquica.[30] O símbolo em si não possui um único significado definido, mas muitas vezes é associado aos aspectos construtivos e comunitários da anarquia.
Seu primeiro uso documentado se deu em 1979, como logo e nome da revista Black Rose, publicada em Boston. A revista obteve alguma fama como defensora da Ecologia Social de Murray Bookchin.[31] Similar à bandeira negra, que foi inspirada pela bandeira vermelha do socialismo, a rosa negra tem inspiração na rosa vermelha usada como símbolo do socialismo democrático e social-democracia.
Para além de seu uso no nome e identidade visual de diversas publicações, a Rosa Negra é o símbolo principal da organização especifista Black Rose Anarchist Federation/Federacion Anarquista Rosa Negra, dos Estados Unidos.[32] Existe também uma facção interna do Partido Trabalhista no Reino Unido chamada Black Rose, que se apresenta como Socialista Libertária.[33] Ainda, a rosa negra é símbolo do Libertarian Socialist Caucus, nome de uma tendência interna anarquista do Democratic Socialists of America.[34]
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
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- ↑ Woodcock, George (1 de agosto de 2002). História das ideias e movimentos anarquistas. Volume II. Traduzido por Júlia Tettamanzy. Porto Alegre: L&PM Editores. p. 77. ISBN 978-8525412270. OCLC 298922924
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Bibliografia
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MCKAY, Ian. An Anarchist FAQ, Volume I. Edinburgh: AK Press, 2008, 9781902393906